Torcidas organizadas: civilidade ou violência?
Torcidas Organizadas - Quando uma torcida organizada anuncia em seu site, Orkut, Twitter ou Facebook oficial uma partida futebolística de modo civilizado, ela o faz colocando o nome do seu time (mesmo que em destaque) e o do clube oponente de modo correto.
Um exemplo a ser citado é o da Torcida Jovem Amor Maior, da Associação Atlética Ponte Preta, em dois momentos: o primeiro é o do Campeonato Paulista 2011 em que, no jogo com o time da Vila Belmiro, o anúncio da partida assim aparecia em seu site: “PONTE PRETA x sardinhas” (em vez de Santos); o segundo se dá no campeonato Brasileiro do mesmo ano de 2011, quando o time campineiro disputou a série B e anunciou o jogo do seguinte modo “PONTE PRETA x portuguesa”. Antes o anúncio era feito com um símbolo depreciativo que nada tinha a ver com a Lusa: uma mulher em postura obscena.
Nota-se o nome da Ponte em destaque, em caixa alta, e o do rival com letras minúsculas, mas escrito corretamente e desacompanhado de qualquer símbolo indigno ou ofensivo. Em 2013, a melhora ainda foi mais significativa: “São Paulo x Ponte Preta”, em igualdade, ainda que ambas as torcidas mantenham fortíssima rivalidade. Medida semelhante foi tomada pela torcida Mancha Azul, do CSA, de Maceió (AL). Esta anunciava seus jogos com deboches aos rivais e, desde 2011, escreve corretamente e coloca, inclusive, o símbolo do oponente, de modo um pouco menor, ao lado do seu.
O alcance desse gesto na prática precisaria ser medido quantitativamente por uma pesquisa séria, mas, à luz de repercussões individuais, é possível dizer que as formas – depreciativas ou civilizadas – de anunciar os jogos têm muito a ver com o conceito que o torcedor, por heterossugestão (sugestão de fora. Distingue-se da autossugestão que vem do próprio sujeito e não nos interessa de momento), elabora do rival.
No primeiro caso, o outro não é ninguém, não merece o status de pessoa humana, de modo que – fria e psicopaticamente – o torcedor do time A não vê o seu rival, do time B, como ser humano. O rival, então transformado em inimigo, é algo (propositadamente não falamos alguém) da pior espécie. Nem deveria existir na face da terra, tem que ser menosprezado ou extinto para sempre.
É certo, pois, que esse clima de hostilidade leva, segundo Zaluar (2003), o torcedor adolescente ou jovem – muito mais passível de ser sugestionado – a aprender (des)valores que o façam ser “durão”, “machão” e completamente “indiferente” ante os piores sofrimentos do inimigo que ele, por heterossugestão, inicialmente quase sempre inconsciente, acabou de criar. Daí, esse garoto ser cruel ao atacar e impiedoso ante os males que seu ataque causa ao rival, pois este é algo (jamais alguém) da pior espécie que precisa ser eliminado a qualquer custo com quaisquer meios disponíveis no momento.
A título de conclusão, é possível formularmos quatro medidas práticas que, embora não eliminem a violência, cujas causas éticas e sociais são bem mais profundas, muito podem ajudar:
1) A torcida deverá promover frequentes momentos de formação para os seus associados (medida que tem sido proposta ao lado de outras, desde longa data, por Mauricio Murad, sociólogo carioca (cf. Teixeira, 2003, p. 179, nota 36)) convidando para isso estudiosos do tema, profissionais das áreas do Direito, da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia etc. a fim de que os integrantes tenham uma visão de mundo capaz de reconhecer no outro um mero rival e não um inimigo a ser caçado e, não raras vezes, abatidos.
2) O anúncio de jogo seja feito com o nome (e o símbolo, se houver) correto do time rival, ainda que este possa ser colocado com letras minúsculas ou o símbolo em tamanho menor do que o time anunciante da partida.
3) Não sejam confeccionados cartazes, faixas, bonecos ou letreiros que menosprezem o time ou a torcida rival, nem antes, nem durante e nem depois do jogo a fim de não acirrar a animosidade de quem provoca e, sobretudo, de quem é provocado.
4) Que o repertório das torcidas organizadas só contenham letras que exaltem o seu time e não que deem a impressão de se estar torcendo contra a torcida adversária ou estimulando a violência física. Caso os torcedores comuns puxem algum hino provocativo, a torcida organizada não deve acompanhar, mas, ao contrário, com a bateria, entoar outra letra positiva.
Essas medidas, que, a princípio, parecem ingênuas, ajudam a formar, na cabeça do torcedor adolescente ou jovem, a ideia de que ele tem rivais, mas não inimigos ou caças a serem abatidas. É uma tentativa de se recuperar a ideia primeira do futebol moderno: civilizar os instintos humanos selvagens por meio da disputa sadia.
O desafio agora é saber quais torcidas assumirão, de público e com reta intenção, esse compromisso simples e eficaz. A palavra está com elas...
Fontes: TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Os perigos da paixão: visitando as jovens torcidas cariocas. São Paulo: Annablume.
ZALUAR, Alba. Violência, cultura e poder in MONTEIRO, Rodrigo de Araujo. Torcer, lutar, ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra! Uma etnografia sobre futebol, masculinidade e violência. Rio de Janeiro: FGV.
(Este artigo é parte de um longo estudo publicado pelo autor na Revista Síntese: Direito Desportivo n. 13, 2013, p. 208-2200).
Por: Vanderlei de Lima é professor, filósofo, com curso de Extensão em Direito e Punição pela PUC-Campinas, autor de livros sobre Organizadas e dirige a TOPPAZ, Torcida Organizada Pela Paz, toppaz1@gmail.com.
Organizadasbrasil.com
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